Obra Primos
O Tempo não para!
Ponto de Encontro de todos os decendentes de Augusto Rocchi e Ida Ferrarezi Rocchi
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História e Estórias

Todas as famílias são feitas de amores, paixões, amizades, traições, mal-entendidos, empatias, discussões, festas, partidas e chegadas, momentos tristes e felizes, mentiras e verdades, enfim cheias de muita vida. Repletas de calor humano, com todos os seus matizes e intensidades. Lealdades, alianças, amor e ódio. Alguns relacionamentos se fortalecem, enquanto outros se desfazem. As famílias crescem, se espalham, os ramos se afastam e primos acabam se tornando desconhecidos. Ainda assim é a célula mater da sociedade moderna. A ela devemos tudo que somos e seremos. A nossa existência depende de todas estas nuances de sentimentos que nortearam as decisões que foram tomadas por nossos antepassados. De nossas decisões sobre como viver este leque de emoções dependerão os futuros membros dela. De nossos antepassados recebemos os mesmos genes (herança física) e os mesmos mêmes (herança cultural). Talvez por isto sejamos tão iguais. E pessoas muito iguais nem sempre se toleram. Mas o mais importante é lembrar que nada disso é para sempre. O tempo não para! É como uma onda que passa e vai apagando todas as emoções, situações mal resolvidas, incompreensões, injustiças, soberba, sofrimentos e gozos. Tudo fica no passado! Aquilo que se vivia intensamente não existe mais. A não ser na nossa lembrança, que também em breve não vai existir mais. Tudo que é importante hoje, também terá o mesmo destino: o esquecimento. Seremos apenas um monte de nomes e datas perdidos em uma pilha de documentos de papel amarelado e empoeirado, ou em um arquivo gravado em algum lugar. Seremos somente estatísticas a espera que algum curioso do futuro venha procurar.

O pouco que sabemos do passado, foi passado de boca-a-boca. Muita coisa se perdeu, foi modificada ou não passa de lenda, que de tanto ser repetida passou a ser aceita como verdade. (Carlos Augusto Marconi)

Um Repórter "quase" frustrado
Os Ungarêse
O Cine Vila Bela
A Santa da Vila Bela
O Professor de Francês
Um Programa Maluco
A Tia Marcela
A Guerra de Barro
Músculo com Cebolas
Estórias de Fantasmas
A chegada da Água Encanada
Um Presente de Aniversário
Um Herói de Guerra
Os Carvalhos
Aconteceu no Natal...!
A Infância e adolecência do Vovô Augusto
Uma aventura na lagôa
Patos e Galinhas
O Tio Luigino
A Familia Trombone
Camisola, Camisolina, Camisoletta...!

Mandem as suas estórias, no formato que quiser. E quem sabe ainda publicamos em um livro!


Um Repórter "quase" frustrado. Carlos Augusto Marconi

Corriam os anos 60. O Sidão morava em Portugal. O meu tio José estava acabando de construir o sobrado com lareira e escada totalmente projetadas pela minha tia Olga. Incumbiram-me de uma tarefa. Bater algumas fotos para mandar para o Sidão conhecer a obra.

Eu tinha uma máquina russa que batia fotos 6x6. Muito boa. Eu, o Andersom e a Meire, fizemos projetos, escolhemos os ângulos, montamos lâmpadas coloridas, e batemos verdadeiras fotos artísticas. Todas muito bem elaboradas, com tempo de exposição bem calculado e de acordo com a sensibilidade do filme. Entreguei o filme para o tio José e fui para casa consciente de um trabalho muito bem feito.

Passados alguns dias, que era o tempo que demorava a revelação e elaboração das cópias, lá fui eu na casa dos tios José e Olga, conferir o resultado. Uma desgraça! Tudo escuro! O tio José que não abalava o seu bom humor acabava sempre brincando com a situação. O Repórter, que é como me chamava, havia falhado. Eu fiquei desolado! Arrasado! Nem dormi aquela noite! Onde eu tinha errado? Não era possível! Tinha alguma coisa errada nesta história.

No dia seguinte voltei para lá, ainda inconformado. Pedi os negativos para dar uma olhada. -"Não se preocupa com isto! Deu errado, mas está tudo bem!", responderam! - "Me deixa ver os negativos!", quase implorei! Enquanto tentavam me convencer a deixar para lá, e não se preocupar, maior era o meu desespero. Por fim, alguém foi procurar e achou os negativos que ainda não tinham sido jogados fora.

Quando finalmente pude ver os negativos, estavam ótimos. A iluminação tinha ficado perfeita. Alguém errou a confecção das fotos. Fiquei imensamente feliz, mas não consegui convencer as pessoas. Para os olhos de um leigo, eles pareciam escuros. Mas negativos escuros quando invertidos deveriam dar fotos claras e não escuras, tentava em vão explicar. Para mim estava cristalino. Mas não conseguia convencer as pessoas, que estavam mais preocupadas em mostrar que não estavam aborrecidas com aquilo. Seria melhor esquecer. Mas, depois de insistir muito, consegui ficar com os negativos.

No dia seguinte levei na Cinótica, em São Paulo. Alguns dias depois fui buscar o resultado, com o coração nas mãos. Finalmente acreditariam em mim. Quando finalmente consegui pegar as fotos na mão, estavam perfeitas. Explodindo de felicidade, no mesmo dia corri levar para todos verem.

Então finalmente entendi o porquê de não estarem tão preocupados, como eu, com o resultado das fotos. O meu tio José havia piorado e estava internado. Como sempre ele era bastante discreto e não alarmava a família com estas noticias.

Entreguei-as, mas fiquei arrasado. Pedi para mostrarem-lhe. Precisa ouvir os seus comentários. O elogio seria o pagamento do trabalho "bem feito". Mas não era o momento apropriado!

Não lembro se chegamos a comenta-las depois, mas sei que as fotos depois foram enviadas para o Sidão. Procurei entre as minhas coisas e não tenho copias delas.

Na minha lembrança ficou estas horas de agonia de saber estar certo e não encontrar os argumentos para convencer as pessoas. De não tê-lo visto orgulhoso de mim, como fizera sempre no passado. Mas tenho certeza que isto aconteceu em algum momento, embora eu não estivesse ao lado para compartilhar.

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Os Ungarêse. Carlos Augusto Marconi

Ungarêse era um termo que os italianos de São Paulo utilizavam para designar todo imigrante eslavo que chegasse. Não somente aos Húngaros. Eram russos, poloneses, ucranianos, lituanos, tchecos, etc. Todos fugidos da desolação que se tornou a Europa depois da Primeira e até depois da Segunda Guerra Mundial. Tenho uma entrevista da Vovó Ida, gravada em 1969, quando ela fala sobre as festas que "Os Ungarêse" faziam todos os domingos à tarde, nos anos 20, 30 e 40, no terreno onde é a Igreja da Vila Bela. Cantavam e dançavam suas músicas típicas. Também bebiam e comiam muito. Depois lembro do prédio do Clube Lituano, que foi construído nos anos 40, que ainda está na esquina da Rua das Verbenas com a Rua Santo Amásio. Ali aconteciam os nossos bailes de carnaval, além de muitas outras festas. Um salão muito bonito.

Mesmo a igreja da Vila Bela, construída no final dos anos 50, tinha um dos salões destinados a Igreja Ortodoxa, para assimilar todas estas pessoas do leste europeu. O Padre João realizava a missa Ortodoxa além da Católica. E até então eram seitas cristãs que se escomungaram mutuamente. A reaproximação entre o Papa e o Patriarca, viria ainda a ocorrer durante o papado de Paulo VI. Até na religião a nova pátria representava a paz.

Também simplificavam todos que vinham de paises árabes. Eram todos turcos. Isto porque a Turquia dominou durante muito tempo todos os países por lá, e mesmo os libaneses, que eram em maior número, chegaram aqui com passaportes turcos.

Não escapavam desta simplificação os asiáticos, que passaram a ser todos japoneses, e os nordestinos que também eram todos chamados de baianos.

Éramos todos imigrantes ou descendentes destes. Portugueses, Italianos, Espanhóis, Franceses, Ingleses, "Ungarêses", etc. Como todos se misturavam sem qualquer discriminação as gerações futuras se micigenaram e os movimentos de libertação da Lituânia e da Ucrânia acabaram esmaecendo. Os filhos que foram nascendo, se consideravam brasileiros. A língua natal, usos e costumes, aos poucos foram se perdendo. Quando em 1990 caiu a União Soviética, e tanto Ucrânia como Lituânia voltaram a ser nações independentes, quaisquer vestígio de movimento acabou por desaparecer. O Clube dos Lituanos deixou de existir, e o salão acabou assumindo outras funções. Já foi loja, imobiliária, restaurante, etc. Parece que agora é um bufet. Mas o seu antigo prédio está ali, como um marco em homenagem a esta função de integração ocorrida na nossa querida Vila Bela. Colado com a Panificadora Rainha das Flores, que por sua vez existe desde os anos 60. Este prédio deveria passar para o patrimônio histórico. Tenho saudade da Vila Zabróica, que é como conhecíamos a Vila Zelina, com muitos russos. Lá costumávamos falar algumas palavras em russo e mesmo português se falava de propósito com muito sotaque. Era a nossa língua oficial dos anos 50/60.

A palavra Ungarêse acabou por ser extinta do nosso vocabulário.

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O Cine Vila Bela. Carlos Augusto Marconi

O cinema foi fundado nos anos 30 ou 40, como Cine Marte, depois virou Cine Vila Bela, e foi assim que eu o conheci nos anos 50. Ficava na Rua dos Gerânios, quase na Rua Baia Grande, em frente à Barbearia do Seu Ângelo. Na primeira curva de quem sobe a Rua Baia Grande. Lá também ficava a padaria do bairro, onde os homens se reuniam aos domingos para assistir ao futebol pela TV. No fundo da padaria, ficava a antiga sede do E.C. Vila Bela. O muro esquerdo da padaria fazia divisa com o cinema.



O Cine Vila Bela. A entrada à direita era um acesso para recebimento de carga da Padaria, onde também ficava a sede do E.C.Vila Bela.

O cinema era o ponto de encontro obrigatório de todas as famílias aos sábados. Para nós era quase um ato religioso. Não importava qual o filme que estivesse passando, as famílias se reuniam lá e cada uma já tinha o seu lugar. Sentavam-se nas mesmas cadeiras rotineiramente, semanas após semanas. Quando alguém não aparecesse, a sua falta era notada e comentada. Estaria doente?

Antes de começar, a tela ficava coberta por uma cortina de lona, toda pintada com propaganda do comércio local e de algumas lojas de São Caetano, que era ao lado da Vila Bela. Depois tocava o gongo. E ao terceiro toque, apagavam-se as luzes e começava a projeção. Mais propaganda e os trailers dos filmes que estavam programados para o futuro. Talvez algum telejornal e então iniciava a sessão. Sempre começava com um filme branco e preto, depois vinha o intervalo e depois um filme colorido. Às vezes, no intervalo, alguns desenhos. A garotada ocupava as cadeiras da frente, e os adultos preferiam as do fundo. Para nos, crianças, os filmes eram enfadonhos. Não prestavamos atenção no primeiro e a maioria dormia no segundo. Alguns adultos dormiam também. Minha mãe comentava depois os roncos de alguns deles. Ela sabia a cadeira em que cada um sentava. Conversas em inglês, que ninguém entendia. Mal sabíamos ler. Só eram bons quando tinham alguma cena de ação ou de monstros. "O Monstro da Lagoa Negra"! Adorávamos os filmes de Cowboys. Depois, incluíamos as falas nas nossas brincadeiras, mesmo sem entender o sentido. Para prender o bandido precisava dizer "ticamaus". Só depois de adulto pude entender aquela fala "Take up! Mouse!" (Mãos ao alto! Rato!). No intervalo, a diversão eram chocolates e uma garrafa de Guaraná, que às vezes os pais nos compravam.

Quando o filme terminava, meu pai nos levava até a padaria para comprar alguns doces e pizza de mussarela ou aliche. Só existiam estes dois sabores. Depois íamos para casa aprecia-los. Ah! Os doces da Padaria! Gelados! Diferentes! Nunca eram sufientes para matar a minha gula! Quantas vezes sonhei que, ao crescer e ter o meu próprio dinheiro, compraria uma bandeja cheia, com todos os tipos, e me empanturraria com eles. Nunca fiz isso!

Lembro que uma vez, minha mãe contou que, meu pai estava com soluço e o filme era muito triste. Ao final, uma das conhecidas veio comentar com ela se meu pai seria muito sentimental, pois tinha chorado durante todo o filme.

Depois que podíamos ir sozinhos ao cinema, preferíamos os de São Caetano, mais modernos e com filmes atuais. Estes não passavam no Cine Vila Bela.

No carnaval ele virava um salão de Baile.

Fechou nos anos 60. Com a construção da Sede nova do E.C. Vila Bela, nem para bailes serviria mais.

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A Santa da Vila Bela. Carlos Augusto Marconi

Pode parecer incrível, mas também tivemos aparições de santas na Vila Bela.

Porém antes vamos descrever a Rua Sensitivas dos anos 50. Na esquina com a Rua Primavera (hoje Rua Baia Grande), tinha a casa da Dona Estefânia. Era uma casa muito bem cuidada, com um jardim imenso. Ao lado, seguindo no sentido da Rua das Dálias havia a casa de uma família portuguesa. Eram na verdade algumas casas, com um pátio enorme bem no meio. Deles, eu lembro da Manoela, que era um pouco mais velha que nos. Tinham uma disciplina mais rígida, não se misturavam com os moleques da rua. Depois a casa do Seu Agostinho e da Dona Olga. Ela era costureira, e ele muito simpático, um bom contador de estórias. Lembro que os garotos tinham um enorme respeito por ele. Talvez porque, além de nos dar muita atenção, fosse o pai da Marlene, da nossa idade, e uma musa para todos os meninos da rua. Depois a casa da Dona Maria, mãe do Sergio e do Wilson. O Wilson era mais velho, mas o Sergio era da nossa idade. A mãe o tratava por Hiéio*. E para nos ele era o Hiéio. Muito afetivo, tinha os dotes de um verdadeiro líder. Era muito atencioso, educado com todos e sempre o que inventava e comandava a maior parte das brincadeiras. Chegamos a ser conhecidos como a turma do Hiéio. Depois tinha um terreno vazio, onde seria construída a casa da família do Lupino. Por fim, na esquina com a Rua das Dálias, morava a Dona Benedita (ou apenas dona Dita), mãe do Ortega. Em frente à casa da Dona Benedita, morava a dona Alice, na outra esquina das mesmas ruas, e que era mãe do Wanderlei e da Margarida. A casa ainda continua igualzinha, e pode ser observada nas fotos que aparecem na estória da "Guerra de Barro". A foto da Rua Sensitivas, foi batida de dentro da nossa casa.

Mas quem faz parte da nossa estória é a Dona Benedita. Um dia ela apareceu em casa, dizendo para a minha mãe, que tinha visto uma santa no fundo do nosso quintal. Havia outras testemunhas. A minha mãe não tinha qualquer explicação. Mas ficaria de sobreaviso para o caso da santa reaparecer. E reapareceu quase um mês depois. Lá veio a Dona Benedita correndo nos avisar. Minha mãe foi então até a casa dela, pois só dali, na esquina das ruas Sensitivas e Dálias, se conseguia ver bem a santa. E lá estava ela, a santa, emitindo uma luz forte, no fundo do nosso quintal, bem no meio do nosso bambuzal. Havia na rua outras pessoas apreciando o espetáculo. Algumas rezando e outras fazendo o "Sinal da Cruz".

O cérebro é uma máquina fantástica. Ele não consegue processar todas as imagens que os olhos conseguem enxergar, então monta imagens com padrões que já tem armazenado na memória. Talvez seja por isto que embora alguns achem que alguém seja parecido com certa pessoa, outros não conseguem perceber qualquer semelhança, usando mesma comparação. Cada indivíduo tem os padrões diferentes, que dependem da própria experiência vivida.

Onde a maioria das pessoas enxergava uma santa, com seu manto sagrado, toda de luz, a minha mãe só conseguiu perceber uma montanha de latas de óleo de vinte litros, que depois de vazias eram empilhadas como uma pirâmide, ali no meio do bambuzal, e que em determinados dias refletia a luz da lua, nascendo pelos lados da Rua Sensitivas. E as sombras que a lua através dos bambus formava sobre as latas, juntamente com os próprios bambus obstruindo a luz refletida e se movimentando ao vento, montavam desenhos e detalhes que os cérebros não conseguiam definir, e por isto associavam as imagens que tinham na memória de cada um. A Santa do Bambuzal.

Uma pena! O nosso bambuzal poderia ter se tornado uma nova Gruta de Fátima, ou talvez de Lourdes. Mas graças à insensibilidade de minha mãe, virou apenas um ferro velho. Quantos milagres deixaram de acontecer ali por causa disso. Quantos peregrinos não estariam ali hoje, agradecendo as graças recebidas. Talvez a venda do seu Nino, que ficava pouco mais abaixo, pudesse hoje ser um Shopping, onde as pessoas comprariam uma medalha da Senhora da Vila Bela. Eu talvez estivesse aqui hoje escrevendo as minhas memórias sobre as conversas que tive com a Santa e dos milagres que testemunhei. Não se fazem mais santas como antigamente!

*(escrevo com "H" para que o "i" maiúsculo não seja confundido com "L" minúsculo).

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O Professor de Francês. Carlos Augusto Marconi

Antigamente, na primeira série do curso ginasial, que corresponde à quinta série da escola primária de hoje, havia aulas de Francês. Sei lá como consegui passar para a série seguinte. Mas passei.

Um dia a tia Olívia me chamou para conversar. O Augustinho tinha ficado de segunda época em Francês, e se eu poderia dar aulas particulares para ele. Se ele passasse, ela me recompensaria. Eu topei. Mas como iria dar aulas de uma coisa que nem pra mim eu sabia direito.

Lembro que montamos um plano. Cada dia nos estudaríamos juntos uma aula do livro. No final nos faríamos uma disputa para tentar pegar o outro em erros. No dia seguinte, a disputa valeria a aula do dia e as anteriores. E assim foi. Cada um se dedicando mais a matéria para tentar vencer o outro. Depois de esgotadas todas as aulas do livro, ainda passamos um tempo tentando pegar o outro em erros. Conjugações de verbos, traduções e quaisquer outras coisas mais. Era uma disputa pessoal, virou um jogo e ficou interessante imaginar armadilhas para ele cair. Acho que ele fazia o mesmo comigo. No final nos passavamos, além das horas juntos, o resto do dia estudando francês, pois ele era a arma do nosso jogo.

Chegou o dia da prova e lá foi o Augustinho faze-la. Tirou simplesmente a nota dez. Não havia armadilha dentro da matéria daquele livro que ele não soubesse. Lembro que ele até achou a prova fácil demais.

Eu lembro de ter ganhado um prêmio em dinheiro, bem maior do que esperava. Mas ganhei muito em experiência e este desafio me ensinou a vencer os obstáculos futuros. Foi desta maneira que acabei aprendendo informática. Era matéria do curso de engenharia e não tinha ninguém para me ensinar. E hoje vivo da informática.

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Um programa Maluco. Carlos Augusto Marconi


Desde criança eu era muito curioso. Quando mudamos para a Rua Glicínias, que em 1959 mudou o nome para Rua das Giestas, a primeira coisa que fiz foi andar até o final da rua, dos dois lados, para conhecer até onde ia. Eu tinha só nove anos. Depois me aventurava sempre um pouco mais longe para ir sempre aumentando as minhas fronteiras. Acabei conhecendo a pé quase todos os bairros de São Caetano, e todos os bairros que compunham o subdistrito da Vila Prudente.

Quando tinha 10 anos, resolvi fazer outra loucura. Iria viajar de trem até Francisco Morato, que era um dos pontos finais. Depois ir até Paranapiacaba, o outro extremo, e voltar para São Caetano. Minha mãe só deixou com uma condição: que o Sidnei fosse comigo. Coitado do Sidão, entrou de gaiato nesta fria. A tia Olga permitiu, ele aceitou e fomos lá fomos nos. Eu patrocinaria tudo! Lembro que quando chegamos a Francisco Morato, tivemos que descer e bem rápido comprar passagens para voltar no mesmo trem. O próximo só sairia daí a uma hora. Nesta compra com pressa o bilheteiro me enganou e quase fiquei sem dinheiro. Só demos conta da conta mal feita, depois do trem já ter partido da estação. Já estávamos cansados e enjoados de andar de trem, e contrariado por ser enganado pelo bilheteiro. O Sidão tentou me convencer a desistir e na volta descer em São Caetano e dar por encerrada aquela aventura. Mas para mim seria uma derrota parar no meio do caminho, e teimei. Vamos até o fim. Fomos até Paranapiacaba. Já era noite quando voltamos ao ponto de partida. Paramos em uma pastelaria para saciar a fome. Depois do programa cumprido, dava para perceber que foi apenas uma maluquice. Mas se eu tivesse desistido de ir até o final, estaria até hoje com um gosto de derrota na boca.
Sidão, desculpe! eu te devo esta!
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A Tia Marcela. Carlos Augusto Marconi


Eu era criança. Não entendia a vida. Mas me fascinava saber que íamos visitar a Tia Marcela. Geralmente esta visita era antecipada com muito movimento. A vovó, minha mãe, a tia Alda e a tia Olívia coletavam muitas coisas que eram colocadas em grandes cestas. Roupas e mantimentos, e lá nos íamos de ônibus. Cada vez em um lugar diferente. Eu nem imaginava o porquê. Para mim era só uma festa. Um passeio diferente.

Também lembro da festa que a vovó fazia, quando chegava uma carta dela. Corria lá em casa mostrar para a minha mãe.

Quando a Tia Marcela aparecia para ficar alguns dias lá em casa, era outra festa. Vinham a Cleuza e o Odair. Nosso quarto era fornecido para ela e a criançada era acomodada para dormir na sala. Eram dias diferentes.

Eu lembro que a tia Marcela parecia muito a tia Olga. Era interessada nas nossas estórias, contava muitas estórias, inventava brincadeiras. Até a voz era muito parecida. Algumas de suas brincadeiras com desenhos, eu ainda lembro com detalhes e ainda ouço a voz dela bem claramente.

Depois que cresci, tinha a oportunidade de visitá-la por minha própria conta. Foi assim quando ela morava na Vila Tolstoi e em Utinga. Eu conseguia perceber o carinho que ela tinha por mim. Não sei se consegui correspondê-lo.

Sinto uma dor em saber que ela e a tia Olga, a vida mandou para caminhos diferentes, nunca mais se encontraram. Eu acho que se fosse diferente elas seriam o âmago da família. Também que ela foi muito cedo, embora do nosso convívio.

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A Guerra de Barro. Carlos Augusto Marconi

Meados dos anos 50. Não lembro exatamente o ano. A rede de esgotos estava chegando à Vila Bela. Havia grandes buracos nas ruas e montanhas de barro para todos os lados. Como até então o esgoto corria, a céu aberto, pelas valas das ruas até o Rio Tamanduatéi, os buracos abertos pelos operários para acomodar os tubos de esgoto, enchiam de água pútrida. Uma vez cai dentro de um deles a afundei até o pescoço. Eu devia ter de seis a sete anos. Por sorte alguém percebeu e me tirou de lá. Ainda lembro minha mãe me lavando, com roupa e tudo, no tanque.

Em cada quarteirão havia um grupo de meninos que formava uma turma. Nos éramos da turma da Rua Sensitivas. Alguns da Rua Primavera (Rua Baia Grande desde 1959), perto da Rua Sensitivas, outros do começo da Rua das Dálias. O Sergio, o Mané, o João, o Nelson, o Daniel (meu irmão), o Gildo, o Lupino, o Geraldo, o Júlio, e outros.



Rua das Dalias, esquina da Rua Sensitivas, nos anos 50. A Igrejinha preparada para as Festas Juninas.

Havia também a turma da Rua Papoulas, que ficava no quarteirão de baixo. Quase todo o dia tinha jogo de futebol contra eles. O campo era o do Vila Bela, que ficava à esquerda de quem desce a Rua Baia Grande. Onde hoje existe um depósito de bebidas. Depois o campo foi transferido para o lado direito de quem desce a rua. Onde hoje existe um condomínio. Eu era pequeno e quase sempre era o "café com leite", ou seja, aquele que pode jogar de qualquer lado e não faz diferença.



Anos 50. Rua Sensitivas, esquina da Rua Primaveras (Rua Baia Grande a partir de 1959). No topo, o início da Rua das Dalias. A moça que aparece na foto, era a Terezinha, filha da Dona Feliciana, que morava duas casas para cima (à esquerda). Diziam que a Dona Feliciana seria tia do Anselmo Duarte, galã do Cinema Brasileiro. Naquela época os velórios eram realizados nas casas. No dia em que a Dona Feliciana morreu, veio muita gente. Muitos queriam ver se o Anselmo Duarte viria.

Também havia a turma do Grupinho. O Grupinho era um terreno baldio que ficava bem na esquina das Ruas Industrial e Vicente Giacaglini. O nome veio de uma construção de um grupo escolar no local, que nunca foi acabada. Ficaram apenas os escombros do Grupinho. Ali se jogava bola. Também os parques de diversões costumavam ali a se instalar. Na turma do Grupinho estavam os meus primos Anderson e Sidnei, além de outros como o Maércio, o Minguinho, o João Bolão, o Gera, o Mario, o Serafim, o Gilberto, e mais alguns. Também alguns da Rua Sensitivas. O divisor era um córrego que passava por trás casas da Rua das Dálias e da Rua Industrial. Embora o Gildo morasse além do limite, ele mais ficava com a nossa turma.



De repente havia aquele monte de barro na Rua Sensitivas. Estavam passando os canos de esgoto. Foi marcada uma guerra de barro. A turma do Grupinho contra a turma da Rua Sensitivas. Estilingues, atiradeiras! Valia tudo! Mas só se podia jogar barro! Durante uma ou duas horas foi só barro que voou pela Rua Sensitivas entre as ruas Industrial e Dálias. Não sei quem ganhou, mas sei quem perdeu. Foram os moradores que acabaram por chamar a policia. As casas estavam todas emporcalhadas pelo barro. Coisa de moleque! Ainda bem que a minha mãe não ficou sabendo. Senão ia sobrar umas palmadas para mim.

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Músculo com Cebolas. Carlos Augusto Marconi

Eu me identificava muito com a minha tia Olga. Tanto que ela afirmava que eu me parecia mais com ela do que os próprios filhos. Talvez só na aparência, porque nunca vou atingir a nobreza que eu via nela. E nem sei se correspondi, ou mereci, ao carinho que ela sempre dedicou a mim. O fato é que eu achava que ela era mágica. A felicidade não estava em fazer grandes coisas, mas em fazer das coisas comuns do dia-a-dia, grandes eventos. E isto ela sabia fazer como nenhuma outra pessoa. Lembro também que a Tia Marcela era do mesmo jeito. Pena que a vida deu destinos tão diferentes para as duas.

Um dia descobrimos que um de nossos pratos preferidos era "Músculo com Cebolas". Então ela marcou um almoço especial onde iria fazer o prato. Eu e o Anderson fomos até a Rua Gentil de Moura, esquina com a Avenida Nazaré, onde havia um caminhão vendendo melancias, que era outra paixão que compartilhávamos, para comprar a fruta. Ela convidou a Dona Amélia, uma vizinha que tinha uma mercearia em frente à casa dela, e além das duas, eu, o Anderson e a Meire nos regalamos com o prato que era apenas músculo de boi, cozido com cebolas inteiras. Uma delícia. E neste dia ela nos contemplou com a seguinte estória:

"Um domingo qualquer, a família Carvalho iria até a cidade de Ribeirão Pires, para assistir a missa de Nossa Senhora do Pilar. Esta festa é famosa até nos dias de hoje. A minha tia presumiu que a ida, a missa e a volta, durariam no máximo duas horas, que era o tempo necessário para cozinhar músculo com cebolas. Então preparou a panela de pressão com os condimentos, e deixou cozinhando. Quando chegasse o almoço estaria pronto.

Lá foram para Ribeirão Pires, acomodados no Aerowillys da família. Sidão era o motorista oficial. Ida normal, missa normal. Mas na hora de voltar, cadê o motorista? Tinha sumido com o carro! Talvez atrás de algum rabo de saia. Só ele sabe a verdade! Neste momento a minha tia já começou a ficar preocupada com a panela que estava no fogo, e acabou contando aos demais membros da família. Se isso acontecesse com a minha mãe ou uma de minhas outras tias, os respectivos maridos falariam um monte de ofensas e impropérios. O meu tio José, ao contrário se divertiu com a estória. Disse que a panela provavelmente já tinha explodido e a casa tinha pegado fogo. Encontrado o motorista, e de volta para casa, todos no carro vinham se divertindo com a angústia e apreensão da minha tia, de ter feito uma besteira. Duas horas além da expectativa, estavam finalmente em casa. Que alívio! O fogo debaixo da panela estava apagado. O gás havia acabado e a comida estava exatamente no ponto para ser servida".


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Estórias de Fantasmas. Carlos Augusto Marconi


Na família também temos histórias de fantasmas. Pelo menos três delas. A primeira aconteceu quando alguém convenceu a vovó Ida que as intrigas de família eram armadas pelo fantasma do falecido vovô Augusto que estaria contrariado porque, ao ser exumado, o seu corpo estava inteiro e foi retalhado para ser colocado no ossuário. Então a convenceram que se fizesse uma novena na casa, o espírito se acalmaria e as intrigas cessariam. A novena foi marcada. Durante nove dias consecutivos algumas mulheres, comandadas pela Dona Maria Carolina, uma beata da Rua Ipoméias, se reuniriam na cozinha da tia Olívia para rezar um terço. E enquanto as mulheres rezavam aquele longo e chatíssimo terço, entre elas a minha mãe e a minha irmã, nos os pecadores, entre eles o tio Augusto, eu, o Daniel, o Augustinho, o Alberto e, não tenho certeza se, o Cláudio também, ficávamos do lado de fora aguardando. Como o tema era a Igreja, o tio Augusto nos contemplava com piadas de padres e freiras. Nem sempre dava para conter o riso, e por isso, entre as "ave-marias" e os "padre-nossos", sempre apareciam algumas broncas para o pessoal do lado de fora. Talvez o fantasma estivesse nos cutucando para perturbar o ato religioso. O fato é que, talvez por nossa causa, a novena não adiantou nada. As intrigas continuaram do mesmo jeito de antes.

A segunda aconteceu na Vila Alpina. Havia um inquilino chato, daqueles que não pagam e não largam o imóvel para o dono negociar. Ele tinha um casal de filhos limítrofes. Mas como ele era viúvo e acreditava em fantasmas, resolveram fazer o espírito da mulher dele aparecer para buscá-lo. Não sabemos de detalhes, mas sim do resultado. O cara se convenceu que o fantasma era real e se mandou dali. E deve ter funcionado, porque ele ainda está vivo. A casa acabou sendo liberada para ser colocada à venda. Depois foi totalmente derrubada, devido às péssimas condições de manutenção. O meu tio José acabou comprando o terreno e lá construiu o sobrado que hoje existe na Rua Industrial, totalmente projetado pela minha tia Olga.

A terceira estória também aconteceu com o meu tio José. Na Vila Alpina morreu um maloqueiro, que prefiro não citar o nome. A mãe dele passou a ver todos os dias o fantasma do filho, que vinha anarquizar a sua vida. A estória acabou alarmando toda a vila. Um dia, o tio José resolveu acabar com o pesadelo da mulher. Inventou e espalhou a notícia que tinha sonhado com o tal fantasma, que lhe disse estar precisando que rezassem uma missa em sua intenção, pois não tinha paz do outro lado. Eu sei que a estória acabou convencendo todo mundo, até o padre local. A missa foi marcada e a igreja lotou. Neste caso funcionou. A mulher nunca mais viu o fantasma do filho. Mas o meu tio acabou ganhando uma fama de vidente, que o divertiu muito.

Os nomes dos personagens das duas últimas estórias foram propositalmente omitidos porque eles tem descendentes que não tem nada a haver com os atos praticados.


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A chegada da Água Encanada. Carlos Augusto Marconi

O início dos anos 60, nas Vilas Bela e Alpina foi marcado pela chegada da água encanada. Até então toda água era conseguida em poços, puxadas por bombas ou baldes. Um personagem que marcou esta época foi o senhor Nogueira. O senhor Nogueira e a sua mulher a dona Paula, entraram na história da família trazidos pelo meu tio José. Parece que em um dia os encontrou na rua, já bem idosos e abandonados pela família. Meu tio se compadeceu dos dois naquela idade, desamparados e os levou para casa. Acomodou-os em um quarto e cozinha que existia atrás da carvoaria.

A carvoaria era um negócio que meu tio tinha montado na Rua Industrial, nos fundos da casa. Por isto lá também tinha uma cocheira e alguns cavalos. Em frente à cocheira havia um poço, um banheiro externo e vários pés de goiaba. A carvoaria só foi fechada com a chegada dos fogões a gás. Atrás da carvoaria havia este quarto e cozinha, e depois uma horta com muitos pés de frutas e vegetais. Desta horta lembro bem do pé de jambo.

O senhor Nogueira passou a cuidar da horta e de lá poderia retirar e vender os vegetais para ganhar algum dinheiro. Lembro que a minha tia Olga comprava estes vegetais, mesmo sabendo que eram de sua própria horta, e gostava desta ingenuidade do senhor Nogueira. Lembro da Dona Paula sentada na cozinha da minha tia, conversando e às vezes almoçando.

Dá para imaginar o trabalho que o senhor Nogueira tinha para regar a horta, e quantos baldes tinha que puxar do poço, encher o regador e correr pela horta. Isso ele fazia todos os dias religiosamente. O sonho dele era a tal água encanada. Seria somente conectar uma mangueira na torneira e pronto. Nunca mais ficar puxando e puxando baldes e baldes do poço! Por isto, quando ele soube que ela chegaria à Vila Alpina, ficou muito feliz. Juntou um pouco das suas economias e correu comprar uma mangueira. Manteve a mangueira bem guardada como um troféu, esperando o grande dia.

Quando a água encanada finalmente chegou à casa dos Carvalhos, o senhor Nogueira já não estava mais lá para recebê-la. Ele tinha falecido algum tempo antes. A mangueira continuava guardada no mesmo lugar.

A dona Paula faleceu alguns anos depois. Eles, graças à bondade dos Carvalhos, tiveram uma velhice amparada, o que a própria família lhes havia negado.

Esta história me foi contada pelo Anderson há alguns anos atrás.

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Um Presente de Aniversário. Sidnei Augusto de Carvalho

Cemitério da Cerâmica, São Caetano do Sul, ano de 1973. Uma jovem orava junto a um túmulo, chega um casal, com um maço de flores... O rapaz pergunta a jovem que orava... - "O que você está fazendo aqui?" Com os olhos exsudando lágrimas e com grande sofrimento moral pela afronta recebida responde... - "Estou orando para minha mãe", e sai ansiosa e impaciente do local sem manifestar razão de seu ato e palavras... Ela desaparece ressentida pela sensação desagradável causada por esse desagravo... O casal permanece imperturbável, sem nada entender, e o episódio é esquecido... Cada qual toma seu rumo... Ela milita politicamente, sofre perseguições, forma uma família e se realiza financeiramente. Ele milita politicamente, desfaz família que fica desagregada e longínqua, age irresponsavelmente e resolve nos erros formar um novo lar se desfazendo de bens.

Rua Guiana Inglesa, Ribeirão Preto, dia 30 de Julho de 2009, por volta das 19 horas... Trinta e seis anos se passaram. Um velho, sozinho na Porta de um Condomínio, espera ofegante. Chega um casal, e um senhor afirma satisfeito. Essa é sua Prima Cleuza, e o reencontro são completados com um forte e afetuoso amplexo. As emoções se emanavam em abundância por todos os poros e por segundos o silêncio foi a tônica... Ele constrangido pela irreverência de quase quarenta anos, ela pela amargura vivenciada e pelo indulto implícito manifestado naquele gesto.

O MENOSPREZO SENDO PERDOADO PELO CARÁTER IRREPREENSIVO QUE SÓ AS MULHERES ESTÃO APTAS...

Após esses gestos iniciais, se iniciou um processo de apresentações, relatos, choros e afeições que se estendeu até quase às 24 horas. Conheci Salvador, seu querido esposo, David seu idolatrado filho, e todo aquele clima de constrangimento inicial por um espontâneo e preciso sentimento de empatia de minha parte se transforma num ambiente atraente e eufórico. O passado foi revivido. Sonhos de infância, amores impossíveis confidenciados entre primas que se permitiam manifestar preferência, como num conto de fadas, onde seus príncipes encantados se materializavam na imaginação fértil e singela característica de uma cultura brasileira dos anos 50. Quis o acaso, que essa reaproximação de consangüíneos, longínquos no tempo e no espaço, e quase inexistente na afetividade, acontecesse no dia de aniversário da Cleuza, que ainda resiste em comemorá-lo. Por iniciativa do David, uma refeição diferenciada foi solicitada, e um clima vistoso mesmo sem aquele caráter marcante de uma festividade veio à tona. Entre os mortais, sem bolo, sem vela e sem cantos, em respeito aos sentimentos de Cleuza, tudo foi bastante discreto, mas subentendia-se que entre os que já aqui não estão, o clima era de grande regozijo e de alegria desmedida.

A codificação de sentimentos por parte de ateus, poeticamente é permitida e possível, bem como tornar tangível a concretização da crença de outros níveis de vida aos tementes a Deus, fez com que visualizássemos o Clã dos Rocchis, reunidos alegres, sem polêmicas, rancores e ressentimentos, onde também se identificava um São Paulinho vibrante, entoando em alto e bom som os Parabéns a Você para nossa querida Cleuza.

Era um aviso! Cleuza passe a festejar essa data que se sentirá abençoada por todos nós que a queremos feliz, que suas emoções hoje em forma de lamúria, se transformem num júbilo de prazer. Estamos amparando-a, sinta-se fortalecida.

David, como que pressentindo esse momento mágico nos brindou com músicas de Nelson Gonçalves que acalentaram os corações de nossos antepassados, e nos sensibilizaram.

Revivi meus momentos de boemia. Senti que levei um puxão de orelhas pela vida erradia, desregrada e fora dos padrões que já vivenciei.

Tenho certeza que no próximo 15 de Agosto, todos estaremos reunidos em São Bernardo, e que uma outra festa no céu acontecerá, pois lá as mágoas por ofensas foram olvidadas.

Resta a nós, aprendemos a perdoar.

O PERDÃO NÃO ESTÁ ACIMA DO ENTENDIMENTO HUMANO, ESTÁ ENTRE NÓS, E SÓ OS BEM- AVENTURADOS OS PRATICAM.

Auferi novos amigos, e minha casa estará sempre à disponibilidade de Cleuza, Salvador e David. Obrigado pela maravilhosa recepção e pela emoção vivenciada.

No retorno a São Paulo, sintonizei a FM 106.7, não suportando as ofensas gratuitas por palavras de baixo calão, desliguei o rádio, e recordando os momentos de alegria que me proporcionaram, cantarolava quase que gritando, o que deveria ter feito quando em vossa companhia.

Parabéns a você... Nessa data querida... Muitas felicidades... Muitos anos de vida...

Sidnei Augusto de Carvalho Um velho errante que procura remissão... Praia Grande, 4:10 horas de uma madrugada garoênta e nostálgica. 01 de Agosto de 2009

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Um Herói de Guerra. Carlos Augusto Marconi

Nasceu em 13 de Agosto de 1916 em Santa Rita de Caldas, Minas Gerais. Entre seus descendentes havia portugueses e uma avó índia. Com apenas 16 anos se apresentou para participar das forças getulistas que enfrentavam os revolucionários paulistas de 1932. Neste ponto da história encontrei duas versões: uma diz que ele se apresentou dizendo que tinha 18 anos, e outra que ele se apresentou em nome do irmão que tinha sido convocado. O fato é que depois da derrota dos paulistas, ele e a família se mudaram para a Vila Bela, na Rua das Gilias, bem atrás da casa de meus avós na Rua Ipoméias.

Foi voluntário Na II Grande Guerra Mundial, indo lutar na Itália junto com outros pracinhas, de onde voltou cheio de glórias e estórias para contar. Muitas destas estórias eram contadas por seus amigos de farda, que se orgulhavam de te-lo tido como companheiro. Eu cheguei a ouvir muitas delas. Em uma, que não me sai da lembrança, ele fazia parte de uma patrulha que se infiltrava no terreno inimigo para analisar a situação. Em uma de suas incursões foram pegos pelos alemães, mas ele conseguiu fugir. Mas não abandonou seus companheiros, voltou sozinho seguindo capturadores e capturados. Em dado momento, em local oportuno, começou um tiroteio que colocou em fuga os inimigos que deixaram os capturados para trás. Esta estória era contata por um dos seus companheiros, que foi salvo da prisão neste episódio. Na Vila Bela ouve uma festa para receber os heróis do bairro, quando chegaram da Itália. O lugar das festas era habitualmente a esquina da Rua das Gilias com a Rua Valerianas, onde hoje existe a Igreja da Vila Bela.

Minha avó contava que um dia ele mandou uma carta, através de uma moça, para a minha tia Olga, propondo namoro. Ela que já tinha grande admiração por ele, se sentiu muito honrada em ser cortejada por um verdadeiro herói de guerra. Casaram e tiveram três filhos: Sidnei, Maricler (Meire) e Anderson.

Ele continuou na vida militar, servindo na Guarda Civil de São Paulo. Lembro também que por diversas vezes participou da administração da Associação dos Pracinhas, chegando à vice-presidência por algumas gestões. Parece que nunca quis cargo de Presidente, apesar de convidado muitas vezes. Acabou se aposentando como Tenente, e em sua homenagem existe uma rua no Jardim Avelino, na cidade de São Paulo, com o sua patente do tempo do exército; Rua Cabo José Clemeneano de Carvalho. Este sepultado no Mausoléu dos Pracinhas, no Cemitério da Vila Alpina, a um quarteirão da rua que tem o seu nome.

Contava muitas piadas da guerra, e eu lembro uma assim: "O comandante da tropa, verificando a coragem dos soldados, perguntava:- 'Se começar a guerra o que você faz? ', e a resposta de cada um era:- 'Ou mato ou morro! '. Muito orgulhoso de seus soldados e feliz com a bravura deles, puxou a pistola e deu um tiro para cima e gritou - 'Começou a Guerra!'. Metade da tropa correu para o mato e a outra para o morro".

Uma de suas qualidades era a facilidade de comunicação com os outros. Lembro que enquanto a maioria dos adultos pouco se importava com os problemas das crianças, ele e a minha tia Olga, ao contrario, sempre estavam abertos para o diálogo, e sempre davam um toque de humor, ou mostrando um outro lado, deixando mais leves os nossos problemas.

Uma outra coisa agradável eram os apelidos que nos dava. O Sidão, depois que foi estudar em Lisboa, virou "Português". A Meire era "Cigana". O Anderson, como era mais loirinho quando criança, era "Russinho". Eu, que gostava de gravar depoimentos e bater fotos, era “Repórter". O Francisquinho, depois de mudar para Espírito Santo do Pinhal era o "Chico da Fazenda", e outros mais...

Um dia, de 1968, apareceu lá em casa me procurando. Tinha me indicado para um emprego nas "Lojas Riachuelo". Lá fui eu para o meu primeiro emprego. O escritório ficava a um quarteirão do Banco América do Sul, onde ele trabalhava. Então todos os dias, na hora do almoço, lá ia eu ouvir a suas estórias. Em 1969, fui convidado para trabalhar na Fechaduras Brasil, perto de casa, ganhando duas vezes e meia o que ganhava na Riachuelo. Três meses depois, lá estava ele de novo me procurando. Apareceu em casa depois do trabalho, orgulhoso de seu sobrinho. A Riachuelo tinha oferecido muito mais do que eu ganhava para que eu retornasse para lá.

Também, lembro dele como exemplo. Nos tomávamos o mesmo ônibus para retornar do trabalho. Às vezes eu chegava ao ponto inicial, no Parque Dom Pedro II, bem antes dele. Nunca ele aceitou ficar comigo em lugar melhor na fila. Sempre eu tive que sair da minha posição e ir até o final da fila para compartilhar a companhia dele. Dizia: "Se quiser respeito, aprenda antes a respeitar os outros!" Eu lembro bem também da garrafa de "Morrão Dunga", dentro da cristalêira da sala. Convidava-me para tomar uma pinga, e dizia. - "Quer tomar uma pinga comigo? Vamos tomar na minha casa! Jamais no bar!".

Uma coisa que eu invejava nos meus primos, era a oportunidade que ele deu a eles de estudar acordeom. Tanto o Sidnei como a Meire se formaram na Escola Clovis Bevilacqua. O Sidão nunca mais pegou no acordeom, e a Meire também largou depois que ele faleceu. Eu morria de vontade de aprender. Uma coisa que eu não invejava era a disciplina que impunha à família, indo todos os domingos à igreja e obrigando os filhos a confessarem no sábado para comungarem no domingo. Eu sempre senti que o respeito que tinham por ele era o da admiração, e nunca o do medo da autoridade, que sem dúvida ele também tinha.

Uma vez, um dos maloqueiros que tinha na Vila Alpina, cujo nome prefiro não citar, agrediu o Sidnei com uma pedra, deslocando o maxilar. O meu tio depois de levar o Sidão para ser atendido no Pronto Socorro, pegou um revólver e foi procurar o agressor, até debaixo da cama dele. O mui corajoso malandro fugiu e deve estar correndo até hoje.

Ele sabia da minha paixão pelas vitrolas e pelos discos, e quando ele queria me agradar para agradecer qualquer coisa, me chamava e ligava a vitrola. E tocávamos os mesmos discos 78 rotações. Os que sobraram a Meire me deu, e eu ainda tenho todos eles. Fazem parte de mim.

Faleceu em 25 de março de 1971, mas pouco antes, mesmo já combalido por um câncer, com dificuldade de se movimentar e ainda com muitas dores pelo corpo, não teve dúvidas ao atracar um meliante que invadiu armado a sua casa, de madrugada, colocando-o em fuga. Mostrava com orgulho um furo de bala, no seu pijama. A bala tinha passado perto das axilas sem atingi-lo. O gatuno quando conseguiu se livrar dos socos do meu tio, pulou do andar superior caindo no jardim, deixando até a arma para trás. Ele depois brincava conosco, mandando medir o pé de cada um, na pegada que afundou e marcou a grama, como se fôssemos todos suspeitos. Até o ato do seu falecimento foi marcante para a minha vida. O Sidnei voltou de Portugal para a despedida, e nesta sua estada aqui, surgiu a idéia da minha ida para a Alemanha, onde morei e estudei durante dois anos.

O respeito que ele e a minha tia Olga tinham um pelo outro, também ficou marcado para sempre na minha vida. Nunca eu o ouvi levantar a voz com ela.

Eu o considerava um Herói, tive como honra também ter tido este apelido ("Herói") nos anos 70, e foi o Anderson quem colocou.

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Os Carvalhos. Sidnei Augusto de Carvalho

Nunca passamos necessidades, sempre tivemos uma vida sem contratempos, casa própria, meu pai com emprego estável, minha mãe, depois do fechamento da carvoaria com o surgimento do fogão a gás, costurava para fora nas horas vagas. Enfim formávamos uma família sólida e vivíamos num estado de imperturbabilidade, tanto financeira como econômica e emocional. Por incivilidade ou ingenuidade excessiva, tínhamos alguns embaraços no relacionamento com consangüíneos, o que até hoje já sem nossos pais ainda sentimos efeitos negativos com seqüelas marcantes e ignóbeis. Por avareza ou demasiada prudência, não tínhamos carro, e toda evolução tecnológica que surgia, como televisão, vitrolas, rádios portáteis, só passaria a fazer parte de nossos pertences quando todos nossos vizinhos já os tivessem adquirido, e nós crianças estávamos morrendo de inveja. Lembro-me do meu ex- amigo Gildo, afinal já não o vejo há mais de 50 anos, morador na Rua Sensitivas, foi o primeiro a ter uma televisão em sua casa, e vez em quando nos permitia assistir parcos minutos da programação e eu achava aquilo o máximo!

Minha mãe, ainda hoje não entendo por que nunca meu pai nos acompanhou, nos levava de ônibus ou trem uma vez por ano na Praia do José Menino em Santos. Alugávamos cabines e levávamos lanches para economizar. Passávamos o dia todo, e nos sentíamos vaidosos pela regalia. Afinal, poucos de nossos amigos tinham uma mãe como a minha, que os levasse para conhecer o mar.



Um dia fui surpreendido pelo tio Carlos, que tinha um carro, e descia ocasionalmente para o litoral, e como havia uma disponibilidade de lugar, decidiu me convidar para o passeio. Foi um dos dias mais felizes de minha vida, eu ia descer de Carro para o litoral. Minha mãe preparou petiscos, uns bolinhos de carne e ovos fritos, e enviou também uma lata de pêssegos em calda e uma lata de creme de leite, o que para mim era comida que só ricos tinham acesso. Foi tão marcante esse passeio que ainda me lembro de detalhes. O carro estava lotado, Tia Maria, Daniel, Carlinhos, Miriam e eu. Foi à primeira vez que conheci o que hoje é a minha cidade Praia Grande, e viemos Via Ponte Pênsil, que além de uma iluminação moderna que recebeu continua idêntica.

Foi o passeio de meus sonhos e que marcou minha infância.
Confesso não lembrar dos detalhes como passamos o dia, pois acho que o excesso de regozijo me fez esquecer...
Nunca mais fui convidado, e cheguei a chorar quando sabia que os Marconis tinham ido à praia sem me convidar, talvez tivessem convidados outros primos...
Implorava para mamãe nos levar a Praia Grande, mas nunca nos levou, nosso destino no Litoral estava bem definido só íamos a Praia José Menino.
É mais um momento de emoção que desejo deixar escrito no Site dos Clãs dos Rocchis, uma família que ainda não cheguei a atinar e me incluir...
Agradeço aos Marconis pela satisfação emocional e o júbilo que me proporcionaram...
Obrigado Tio Carlos, Tia Maria e primos Daniel, Carlinhos e Miriam, muitos aqui já não estão, mas nunca saíram dos meus sentimentos...
Sidnei Augusto de Carvalho
Um sonhador que sonha e acredita em sonhos...
Praia Grande, madrugada de 17 de Maio de 2009.


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Aconteceu no Natal...! Sidnei Augusto de Carvalho

23 de Dezembro de 1957. Desejava comer um bolo típico de Natal. Meu pai estava trabalhando, e instigado por minha mãe, fui questionado: - "Por que você não o elabora?"
Aceitei o desafio, e lá procurei a receita no Livro Dona Benta, uma autêntica Bíblia da gastronomia brasileira nos idos anos 50. De posse da lista dos ingredientes, e da caderneta para marcar minhas aquisições, lá fui eu às compras na mercearia do Senhor Albino, que havia na Rua Dr. Vicente Giacagline. Com duas latas vazias de banha, muito usada lá em casa em substituição ao óleo, segui a receita e coloquei para assar no forno de um fogão a carvão que tínhamos na época. E não é que o quitute ficou uma delícia? E antes do almoço já tínhamos "devorado" um deles. Panetone quentinho é irresistível! Mamãe pediu que fizesse mais alguns e levasse um para vovó Ida. Resolvi levar dois! Lá chegando, ela não acreditou que tinha sido eu o confeiteiro daquele bolo de massa fermentada, com gemas de ovos e frutas cristalizadas. Degustamos um bom bocado de um panetone e passamos momentos inesquecíveis. Uma vovó paparicando um neto, que tinha certeza estar mentindo, e um neto orgulhoso de sua performance no fogão.

Sem planejamentos ou promessas, esses encontros se sucederam nos anos de 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64 e 65. Dia 23 de Dezembro passou a ser o dia da minha avó. Eu confeccionava panetones, e ia almoçar com ela. Lembro-me que nunca falhei, mas em 66 parti para Portugal pondo fim a um pacto que nunca foi pactuado. Mesmo longe, lembrava-me dela nesse dia, como ainda lembro nos dias de hoje. As receitas se atualizaram, os equipamentos se modernizaram, fogões a carvão desapareceram de nossas cozinhas, e já não consigo saborear um panetone com aquele gostinho de vovó.

Em 2009, 23 de Dezembro cairá numa quarta-feira, estarei em serviço e talvez almoce numa lanchonete qualquer desse interior de São Paulo, mas meu pensamento estará com vovó Ida, e sempre faço por obter um mini panetone para me satisfazer.

São encontros que não mais existem, mas que marcaram minha vida. Eu era feliz, e não tinha consciência. Hoje sou birrento, e tenho percepção de meus deslizes. Por que não curti mais minha família? Não só minha avó, mas também meus tios e primos? Hoje percebo o esforço quase inútil do Carlinhos e do Luiz para nos unir. A geração que nos segue não terá contatos, e mesmo nós não iremos conhecer uma parcela significante de consanguíneos. A família Rocchi está morrendo, e continuamos perdendo uma chance de nos congraçarmos. Cruzaremos nas ruas com pessoas que temos vínculos familiares, mas nem sequer um "bom dia" daremos pelo desconhecimento, e talvez até venhamos a ficar receosos de nos transformarmos em vítimas ao analisarmos apenas aspectos exteriorizados. A pseuda-família Rocchi está agonizando, declinamos, como se estivéssemos à espera de um aviso que anunciará o nosso fim.

Envios e recebimentos de textos via Internet que não refletem nenhuma particularidade individual, desprovidas de qualquer traço pessoal com vista a uma maior objetividade na obtenção de um relacionamento, na formação de uma tertúlia, passarão a ser o talante de divergências e desencontros que se encaminham para a eternidade. Eu, já estou estertorizando...

Sidnei Augusto de Carvalho
Um inconformado que se habituou com a desunião... Praia Grande, 01 de Maio de 2009.

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A Infância e adolecência do Vovô Augusto Carlos A. Marconi

Da infância do meu avô Augusto eu só lembro do fato que era contado pela minha mãe Maria, dele quando criança, ter quase matado de susto a minha bisavó Penelope, ao resolver brincar se escondendo dentro de um barril no cáis na hora do embarque, quando voltavam para o Brasil. Ele deveria ter por volta de 5 anos.

Mas como passou sua infância e adolecência na Rua Visconde de Parnaiba, no Bras, tem algumas cenas da época que são narradas no livro "Recordar é Viver" de Salvador Pugliese, foto abaixo, na página 8, escrito em 2006.

"Naquele tempo a iluminação, tanto na rua, como em casa, era a gás. A luz elétrica veio anos mais tarde. São Paulo era ainda uma cidade provinciana. Automóveis, pouquíssimos. O transporte, na sua maioria, de tração animal, com excessão dos bondes elétricos que haviam substituído os bondes 'puxados a burros'. Meu pai contava que na Rua Visconde de Parnaíba, quando ele era ainda garoto, costumava reunir-se uma turma de meninos e, tão logo aparecia o tal bonde, eles passavam na frente dos animais, abanando chapéus e outros objetos, a fim de assustá-los, pondo-os em louca disparada para desespero dos passageiros que, aterrorizados, se atiravam do bonde em movimento.

Além do trabalho, nas horas de lazer, as poucas que existiam naquele tempo, os homens à noite iam às cantinas tomar um bom vinho e jogar 'tressete', um jogo de cartas italiano. O jogo era 'a leite de pato', como se costumava dizer. Não era a dinheiro, mas puro divertimento. Uma noite, assim não entendeu a polícia, levando todo mundo para a cadeia, inclusive meu avô materno. Meu pai foi tirá-lo da prisão e ele, todo envergonhado, voltou para casa, pensando ter cometido uma falta grave, o que na realidade não aconteceu. Naquele tempo havia gente séria e honrada. Minha avó, minha mãe e tias o receberam com muita alegria e carinho. Era gente humilde, de muitos bons sentimentos e sempre tive grande orgulho deles.

A honestidade e a honra eram tão levadas a sério, que na Revolução de 1924, os depósitos do mercado foram saqueados e dois rapazes muito conhecidos na época, pilharam um bacalhau e um saco de farinha de trigo. Tiveram de voltar devolvendo tudo, depois de levarem uma boa surra."


Salvador Pugliese, foto a direita, nasceu em 1911 na Rua Visconde de Parnaiba, onde viveu parte da sua infância. Na foto, feita em 2008, estava com 97 anos e ainda é dono de uma lucidez e memória invejável.
Clique Aqui para ter o Livro "Recordar é Viver" completo!

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Uma aventura na lagôa Carlos A. Marconi


Na várzea do Rio Tamanduateí, divisa entre a Vila Bela e São Caetano do Sul, havia muitas lagoas. E apesar das muitas histórias de mortes sobre afogamentos de crianças incautas, quase todos os meninos se aventuravam a dar uns mergulhos por lá. Era evidente que isto era uma prática proibida pelos pais, passível de uma séria reprimenda. Mesmo assim, muitos dos meninos se esqueiravam pelo mato à procura da aventura proibida. Mas também existiam adultos atentos a possibilidade de alguma criança estar correndo aquele risco. O meu tio Zeca era um destes meninos. Ele contava que em uma destas escapadas, foi denunciado por alguém que avisou a minha tia Olga, que como irmã mais velha estava atenta às estrepolias dos menores. Ela foi espiar e conseguiu recolher as roupas dele da beira da lagoa. Teve que esperar escurecer, e além de voltar pelado, ainda apanhou bastante quando chegou. Ele costumava repetir esta história, já quando adulto, só para deixar a minha tia encabulada, mas ela confirmava sem se arrepender do ocorrido.



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Patos e Galinhas Carlos A. Marconi

Era comum as familias nos anos de 1920, 30 e 40, ter hortas e criação de animais domésticos de abate, em seus quintais. Na casa dos meus avós haviam patos e galinhas.

Não foram poucas as vezes que meu avô Augusto chegou trazendo um amigo para jantar e tomar um vinho em casa. Ele já entrava pelo fundo, abatia uma galinha e trazia para minha avó preparar frita para acompanhar a bebida. Conta-se que uma vez beberam tanto, que na hora da depedida, resolveu acompanhar o amigo até a casa dele. Não iria deixa-lo ir assim sozinho. Andavam a pé. Quando chegou na casa do amigo, teve que entrar para que fosse retribuido o vinho, e o amigo resolveu também acompanha-lo, de volta para casa. E ficaram, desta forma, subindo e descendo a rua, cada vez mais bêbados até amanhecer o dia.
Na foto a direita, ele com seu sobrinho Oswaldo.

Como toda criança, minha mãe, Maria, quando tinha entre 5 e 8 anos, gostava de brincar de professôra. E suas alunas eram as galinhas que viviam em um galinheiro no fundo do quintal. Pegava uma varinha e "ai daquela" que não prestasse atenção na aula! Ela contava esta história com muito mais detalhes, mas não lembro todos agora.

Outra história contava minha tia Olga. Dizia que aos domingos, quando os tios e primos da Mooca vinham almoçar em casa, depois do almoço todos os adultos costumavam dar um cochilo. Os meninos inventavam brincadeiras, e as meninas costumavam amarrar os patos com cordinhas, cada uma com o seu. E deciam a Rua Ipoméias até o Rio Tamanduateí. Lá colocavam os patos no rio, sempre presos ao pescoço pelas cordinhas. Ficavam lá, cada uma navegando o seu pato. Depois de algum tempo voltavam. Mas era um segrêdo. Nunca contavam aos adultos.


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O Tio Luigino Carlos A. Marconi

Lembro que era algum dia perdido na década de 1960. Ninguem tinha telefone em casa. As notícias tinham de ser dadas de bôca em bôca. A vovó Ida apareceu lá em casa, olhou bem a minha mãe e disse uma frase, quase não conseguindo falar:-"O Luigino morreu!". As duas se abraçaram e choraram bastante. Eu nem imaginava quem seria o tal Luigino. Depois fiquei sabendo que Luigi Garbosa era o tio de minha mãe. Casado com a Ana (Nina), uma das irmãs de meu avô Augusto Rocchi. Sempre se vestia muito bem. Tinha tido com seus filhos uma participação intensa na infância da minha mãe e dos meus tios. Era alguém realmente muito querido, e faria uma falta imensa dai por diante.

Ele tinha um carro nos anos 30. Aos domingos, aparecia com a familia para almoçar na Vila Bela e depois lotava o Ford com os filhos e sobrinhos para passear no alto da serra. A minha avó Ida lembrava que, enquanto iam muitos se divertir, sobrava para as mulheres uma montanha de louça para lavar. Mas sempre valia a pena.


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A familia Trombone Carlos A. Marconi

No final do Século XIX e início do século XX, a casta nobre de São Paulo era formada pelas famílias portuguesas. Os imigrantes italianos, que haviam sido trazidos para substituir os negros escravos nas lavouras de café, eram uma casta menos nobre, e por isto discriminados. Os italianos, pouco a pouco, foram formando a massa de mão-de-obra das fábricas e no comércio na economia emergente da cidade, e por isto subindo na escala social. Na década de 1930, uma familia italiana chegaria na parte mais nobre desta escala; os Matarazzo.

Porém antes, ter um nome ou sobrenome italiano era marca de inferioridade. Assim alguns imigrantes trocavam-os, quando podiam. O meu avô paterno chegou ao Brasil criança, e se chamava Daniele Marconi. Um nome masculino na Italia, mas não no Brasil. Seus pais trocaram logo para Daniel Marconi. Os antepassados da familia da minha esposa, trouxeram o sobrenome italiano "Lenharo", e trocaram logo para o sobrenome portugues "Linhares", que era uma familia tradional no Brasil. Ainda nos dias de hoje existe grandes encontros da Familia Linhares.

Uma outra familia que iria morar na Rua Ipoméias, na Vila Bela, bem ao lado da familia de meus avós maternos, e que deveria ter o nome "Trombone". Nem precisamos comentar que além de italiano, era também motivo de zombaria. Habilmente, seguindo outros exemplos, mudaram o sobrenome para "Luiz". A artimanha era simples. Alegava-se ter perdido os documentos e solicitava outros, com o novo sobrenome. Não havia como conferir. Uma conferência demandaria meses de pesquisa, e a burocracia daqueles tempos era imensa. Foi assim que apareceu na Vila Bela a familia de Maximiliano e Mercedes Luiz.
Na foto o Sr. Maximiliano Luiz com sua filha Isaura
.

A minha prima Mercedes me contou que o Sr. Maximiliano não era de verdade italiano, mas de uma familia portuguesa que tinha o sobrenome "Trombone". Eram empregados de uma fazenda no interior de São Paulo, e a sua mãe ficou viúva muito nova. Trabalhava para os donos da fazenda a troco de comida. Era praticamente uma escrava, que também acabou morrendo e deixando uma criança pequena, o Maximiliano. O dono da fazenda, que tinha o sobrenome Luiz, criou esta criança, que como sua mãe, trabalhou a troco de comida. Quando adulto trocou o sobrenome para "Luiz". Já tinha quase 30 anos quando se casou com a dona Mercedes Zaparolli com apenas 13 anos, que tinha antecedentes espanhóis além de italianos. Contam histórias que ele era muito violento e ela morria de medo dele. Preparava o jantar, colocava na mesa e corria se esconder. Um dia, quando ele se preparava para comer notou que algum inseto tinha caido na sopa. Ele teve uma reação muito violenta, agredindo-a com palavras, e talvez até fisicamente, e ela fugiu para a casa dos pais dela. Naquele tempo os pais eram rudes; uma vez casada não recebiam de volta em casa por nenhum motivo. Mandaram ela voltar. À noite ele foi a cavalo busca-la. Ameaçou que se ela não voltasse, nunca mais a aceitaria de volta. Uma mulher largada pelo marido, inicio do Século XX, era completamente rejeitada pela sociedade. Ela voltou!

Contavam também que ele era muito violento nas reprimendas com os filhos. Nem um pouco parecido com o sr. Maximiliano que eu conheci. Lembro dele, já viúvo e bem velhinho, sempre muito bem vestido, com terno, gravata e chapéu, muito bem humorado. Parava as moças na rua e lhes dizia versinhos. Muitíssimo educado.
Eles tiveram muitos filhos. Tantos que os atuais descendentes não chegam a um consenso na hora de enumera-los, não contando ainda alguns que não sobreviverm à infância. Natal (Natalin), Afonso, Ida, Armenio (Neni), Armando, Cezario (Cezarim), Linda, Isaura, Maria, Mercedes (Nena), Aristides e outros. Até que o sobrenome "Trombone" lhes cairia muito bem, pois eram um grupo muito alegre.

Uma história marcante da infância de um de seus filhos foi da Ida Luiz. Era contada pela minha mãe e confirmada pela minha avó. Em frente a casa de meus avós, tinha um terreno todo gramado. Alí a Ida Luiz preparava um teatro aos domingos à tarde. Os vizinhos traziam cadeiras, montavam a platéia e ela sempre representava uma peça, que na maioria da vezes era um drama, onde ela mesma, a heroina, era uma menina injustiçada e que sofria muito com os maus tratos dos vilões. Diziam que muitas mulheres choravam bastante durante o espetáculo. Era com certeza uma artista. A Ida teve um bom casamento com o Vitorino, um industrial de sucesso, mas com a sua alma de artista não conseguiu viver em uma gaiola de cristal. Tinha a aventura no sangue, e acabou morrendo sozinha, esquecida da familia, tal qual as novelas que representava. Era a vida imitando a própria arte.

Um dia meu avó chegando do serviço percebeu que havia um rapaz conversando com a minha tia Alda. Falou firme:-"Manda o rapaz entrar e falar comigo!". O rapaz entrou meio acanhado, mas quando meu avô percebeu quem era, exclamou: -"Mas é você Aristides? Ah! Você é de casa!". O meu tio Aristides crescera na Rua Ipoméias, junto com todos os outros meus tios e tias. Ele viria a se casar com minha tia Alda, e com ela teria quatro filhos: Adilson, Mercedes, Aristides e Roseli. Todos eles com o sobrenome Luiz. Se bem que também aqui o "Trombone" cairia muito bem. É um grupo muito alegre.


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Camisola, Camisolina, Camisoletta...! Carlos A. Marconi

Era uma frase que minha mãe sempre repetia, atribuindo a autoria ao seu primo Carletto (Carlos Garbosa), filho do tio Luigino com a tia Nina (Ana). Segundo ela, ele a usava para se referir a quantidade de roupas de baixo, que usava a sua avó Penelope, mãe do vovô Augusto Rocchi.

Outra coisa que ele gostava de brincar com a avó era por causa do nome, "Pelope". Comparando com a frase: "Penéla o Pé". Penelar, era um verbo muito utilizado no até os anos 50, no tempo dos fogões a lenha ou carvão, e significa "abanar com a tampa da panela"."Penela o fogo, para não apagar!"

Na foto ao lado, a nossa bisavó Penelope Pieri Rocchi, com o seu neto Oswaldo Garbosa.

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